A chuva
encharcava meus dias, mas não era forte o suficiente para me impedir de chegar
ao meu objetivo. Havia alcançado a velha casa há algumas horas e, simplesmente
odiava ter que retirar o carro da garagem para fazer essa curtíssima viagem,
contudo, a chuva não permitia que viesse caminhando como de costume. Esperei na
varanda, alternando meu olhar entre grossos e frequentes pingos d’água, e uma
espécie de tablado que já estava todo degastado em sua cor branca.
Acendi um
cigarro, colocando-o de imediato a boca. Comecei aquele processo lento que
regia os dias em que me encontrava com minha melhor companhia. Sendo assim,
soltei as baforadas de fumaça entre os lábios, especado no batente da única
porta da pequena casa enquanto aguardava o que havia esperado a semana toda.
Ele estava
atrasado. Sempre nos encontrávamos às 9 da manhã, entretanto, já passava das
9h15 quando verifiquei o horário em meu desgastado relógio de pulso. Soltei
mais um pouco da fumaça, apontando-a para cima, como se o fogo desafiasse a
chuva lá fora.
Será que ele
viera andando e se perdera na floresta enlameada? Aquela casa em meio a todo
aquele verde sempre parecera um atraso no nosso relacionamento, mas não havia
outro jeito. O que fazíamos era considerado pecado, uma ofensa a uma sociedade
tão conservadora e imaculada como a que vivíamos.
Passei a mão
pelos cabelos pretos, descendo até o rosto para coçar a barba que começara a
nascer em meu queixo. Liberei mais um pouco de fumaça pelos lábios. O cigarro
já estava quase no fim, e ele ainda nem chegara. Cocei os olhos com a mão
esquerda, enquanto segurava o pequeno toco de cigarro com a outra. Estava um
pouco sonolento. Estivera tão ansioso a semana toda por aquele encontro, que meu
corpo se recusara a dormir. Desisti de ficar em pé encostado na porta, e
dirigi-me para a única cadeira de balanço que ficava exposta na varanda.
Estiquei o corpo e cruzei os pés enquanto terminava de fumar, mirando um lugar
no teto em que se encontrava uma goteira da velha casa. Esperaria somente mais dez
minutos e depois iria embora, com toda a frustração que a decepção me
permitisse. Afinal, por mais que quisesse, não poderia ficar o dia todo ali.
Tinha um compromisso com Anna.
A seguir, ouvi
um estrondo vindo da estrada ao lado da floresta. Eu estava errado, pois o
outro não viera caminhando pela floresta, e sim, havia tomado a velha
motocicleta de seu pai.
Levantei-me
rapidamente da cadeira e joguei o cigarro no tablado branco, apagando-o com a
ponta as minhas botas marrons. Fazia parte do lento processo, pois Nick odiava meus
hábitos de fumante.
Ele deixou a
motocicleta “estacionada” em meio à chuva e correu ao meu encontro, tentando
esconder um pacote que trouxera dentro da capa amarela de plástico. Subiu
rapidamente pelas escadas e parou sobre o tablado, fixando seu olhar em mim por
alguns segundos. A cor de seus olhos era impressionante! Quando nos encontramos
pela primeira vez, há dois anos, em um dia insuportavelmente quente, eu
acreditara que aquele castanho que pigmentava sua íris devia-se a claridade do
sol que ia de encontro com seus olhos, entretanto, mesmo nos dias feios e
nublados, eles resguardavam a mesma cor.
- Nick! –
exclamei, tendo consciência de há dias só pensara naquele nome, sem jamais
proferi-lo.
Ele não
sorriu, muito menos respondeu ao meu cumprimento.
- Trouxe café
– falou simplesmente, depositando o pacote em minhas mãos, para que pudesse
retirar a capa amarela que o protegia da chuva.
Abri
rapidamente a sacola de papel e encontrei uma garrafa térmica fechada e, alguns
pedaços de bolo apertados em uma vasilha de plástico. Ambos estavam revestidos
de sacolas do mesmo material para, provavelmente, não serem vítimas da chuva.
- Vamos entrar
– convidei formalmente. Parecíamos dois estranhos. – Está ficando frio, lá
dentro está melhor! – disse, tentando manter o tom agradável, mas era nítido
que ele estava descontente com alguma coisa.
Abri a porta
com a mão em que não segurava o pacote, dando espaço para que ele passasse. Em
seguida também entrei na casa sentindo um calor agradável. Depositei o pacote
sobre a mesa de centro na cozinha, e fitei Nick que estava de costas para mim.
- Aqui
realmente está mais agradável – sibilou entre dentes, deixando a capa de chuva
sobre o encosto da cadeira juntamente com a jaqueta preta que estava por baixo
dela.
Sentei em uma
das quatro cadeiras e cruzei as mãos sobre a mesa de modo impaciente. Pelo
visto, ele não iria falar o que tanto parecia lhe incomodar.
- O que há de
errado? – indaguei direto.
Ele deu de
ombros. Puxou uma cadeira ao lado da minha e sentou-se sem movimentos bruscos.
- Nada... O que
poderia estar errado? – rebateu, passando a mão pelos cabelos castanhos e
deixando que gotículas de chuva molhassem a mesa.
Respirei
profundamente como se o ar ali fosse rarefeito.
- Não sei. Não
nos vemos há quase um mês e você chega aqui de um modo tão estranho que só
posso deduzir que algo aconteceu, oras – respondi, apoiando o queixo sobre a
mão esquerda sem deixar de olhar para Nick.
Ele correu a
mão pelo rosto de forma bruta.
- Só me sinto
um pouco cansado, mas está tudo bem! – esclareceu rispidamente. - Como vai Anna?
– perguntou. Era mais uma das partes daquele processo, mas ainda sim, eu
acreditava que ele se preocupava com ela.
Sorri.
- Anna está
contente. Prometi leva-la ao parque hoje, mas, pelo visto, a chuva não irá dar
trégua, então, vamos ao cinema juntos. – informei, pensando na pequena que
deveria estar dormido ainda.
Ele emitiu um
simples “hm” com os lábios em linha reta e levantou-se indo em direção ao único
quarto da pequena casa.
Segui Nick.
Ainda não havia acreditado que estava tudo bem, mas o que restava fazer? Sentia
sua falta, e isso era maior do que qualquer problema.
Entrei no
quarto e fechei a porta atrás de mim. Ele retirava a camiseta úmida, deixando a
vista suas costas nuas e brancas. Caminhei lentamente atrás dele, sem encostar-
me em sua pele, somente sentindo o cheiro de chuva e terra molhada que ele
trazia consigo. Depositei um beijo tímido um pouco abaixo da sua nuca, e
encostei minha bochecha em sua pele, absorvendo a textura gélida de encontro
com meu corpo quente.
- Senti sua
fala! – falei, sem rodeios. – Tem sido cada vez mais difícil nos encontrarmos.
Tem sido cada vez mais insuportável! – esclareci, fechando os olhos ainda com a
cabeça encostada em suas costas.
Ele virou seu
corpo de frente para mim e segurou meu rosto entre suas mãos, depositando um
beijo cálido nos meus lábios.
- As coisas
ficarão mais fáceis. Pode acreditar em mim! – prometeu, tirando a minha
camiseta. Senti um arrepio percorrer meu corpo quando seus dedos gelados
tocaram meu tórax. Sentia frio mesmo em meio ao calor da casa, mas essa
sensação não era desagradável. Agora eu tirava suas calças jeans, deixando-o
apenas de cueca e meias brancas. Ele fez o mesmo comigo, deixando-me
inteiramente nu e terminando de despir a si próprio.
Nick jogou meu
corpo sobre os lençóis limpos que eu havia trocado pela manhã e dirigiu-se ao
meu encontro. Caí deitado, porém, sentei-me. Ele pareceu não se importar, e
veio por trás, depositando beijos no meu pescoço e, depois, massageando meus
ombros.
Absorvi aquele
momento com todas as forças que pude, pois a única certeza que teria nas
próximas semanas, é que reviveria aquele encontro milhares de vezes como de
hábito nos últimos anos.
Virei meu
corpo e beijei seus lábios ternamente. Empurrei seu peito, deixando que suas
costas relaxassem completamente sobre a cama. Passei a mão sobre seu tórax,
beijando sua barriga. Ele sorriu com tal gesto, e eu retribui. Subi, mordendo o
lóbulo de sua orelha. Percebi o quanto aquilo o deixava arrepiado e entrei em
estado de êxtase. Vê-lo sentindo prazer, me deixava sem palavras.
Nick agarrou meus
braços com força, deixando as marcas dos dedos e jogou-me de costas contra o
colchão. Mordeu minha barriga, depositando beijos por todo o meu corpo e
seguindo para os lábios, beijando-os com tal ferocidade e destreza que,
possivelmente, haviam ficado intensamente vermelhos.
Desceu a mão
pela minha intimidade, sem deixar de beijar cada canto do meu corpo. Percebeu
que eu estava excitado a níveis extremos, e desceu vagarosamente pelo meu
corpo, com uma expressão que beirava a malícia. Tomou o meu sexo entre as mãos,
aliviando-me de uma maneira já tão conhecida. Sendo assim, mordi os lábios de
maneira assustadora e sibilei o nome de Nick no momento em que chegara ao ápice
do toque tão familiar.
Levantei-me
rapidamente, sentindo uma onda de prazer e culpa tomar conta de minha mente.
Não podia ficar adiando aquilo! Era tempo de mais sem ele. Agarrei-o pela
cintura e penetrei-o sem ao menos pensar. Ambos estávamos de joelhos sobre os
lençóis brancos. Movimentei meu corpo vagarosamente por trás do seu e, em
seguida, acelerei o movimento, desejando não o meu ápice, mas o dele. Intensifiquei o movimento, pois meu corpo
clamava por Nick. Não era uma questão de eu ser o homem e ele a mulher – ou ao
contrário – ali não havia espaço para esse tipo de distinção tão comum a quem
não vive esse tipo de amor. Tratava-se apenas de uma troca de prazer. Um gesto
que era considerado tão pecaminoso por alguns homens, mas tão natural para o
ser humano independentemente do gênero. Puxei os cabelos de Nick, pois sabia
que isso aumentava o prazer do rapaz. Mordi seu pescoço de modo inescrupuloso.
Ele que resolvesse a desculpa para o sinal de mordida que ficaria ali. Aumentei
ainda mais o movimento de meu quadril, deixando que Nick sentisse uma explosão
indescritível dentro de si mesmo. Um prazer sem limites!
Minhas mãos
correram por suas coxas, deslizando os dedos vagarosamente por seu sexo. Ele
ainda estava de costas para mim. Um tanto exausto, com o corpo cansado, mas,
mesmo assim, vi o tremor percorrer seu corpo conforme eu o acariciava e beijava
suas costas. Aquela fora meu “obrigado” ao carinho anterior que suas mãos
dedicaram ao meu corpo.
Passei a mão
por sua barriga, descendo-as para sentir que ele novamente estava ficando
excitado com o meu toque. Ao ver que eu havia percebido, ele virou meu corpo
contra o seu, passando a mão levemente por minhas nádegas, apertando-as com as
unhas felinas. Retribuiu meu gesto e, sem piedade, também adentrou meu corpo.
Ergui o rosto ao sentir o contato do seu corpo com o meu. Eu amava Nick! E não
dizia isso em momentos de prazer, pois, mentalmente, sempre estava repetindo
isso para mim. Como um ciclo vicioso, como parte do nosso processo casual no
interior daquela casa. Ele acelerou o movimento do seu quadril, conforme
passava a mão sobre o meu peito e beijava minhas costas, meus ombros, minha
nuca... Senti o prazer se apossar de mim, como se a chuva se estingue-se e
restasse somente o sol infernal do dia fatídico em que havíamos nos conhecido.
Caí sobre os
lençóis brancos com Nick deitado ao meu lado. Fechei os olhos ainda saboreando
o ápice do prazer. Sorrindo feito bobo para mim mesmo! Sentia uma mixórdia de
emoções, mas em meio a essa confusão, tinha a certeza de queria uma vida ao
lado dele. Não queria mais o desconforto daquele lugar pecaminosamente secreto.
Queria amá-lo quando ambos desejássemos e não por curtos períodos do mês. Mas
eram apenas desejos impossíveis e abstratos.
Deitei a
cabeça sobre a mão esquerda e olhei para Nick que fitava o teto de modo sério e
concentrado. Deslizei minha mão sobre sua barriga, fazendo movimentos leves.
- Você está
sério – comentei. Ainda acreditava que algo estava errado com ele, mas tínhamos
tão pouco tempo que iniciar uma briga não adiantaria em nada.
Ele desviou o
olhar do teto e direcionou-o a mim.
- Acabou.
Franzi o
cenho. Aquela palavra era uma espécie de código indecifrável? Porque eu não
podia acreditar que ele estava querendo dizer o que realmente aquilo
significava.
Sentei-me na
cama.
- O...O que
você quer dizer? – indaguei incrédulo.
Nick balançou
a cabeça afirmativamente.
- Isso mesmo
que você está pensando. Acabou, Will. Nós...Acabou! Não suporto mais isso.
Odeio segredos e você sabe que não sei mentir. Não aguento mais ter que
esconder isso e quer saber de uma coisa? Você...Você é quem não ter coragem de
dizer quem realmente é.
Suspirei
passando a mão no rosto de modo impaciente. Puxei meus cabelos com raiva de
todo aquele drama.
- Nick, você
sabe que eu tenho uma filha. Anna precisa de mim! – repeti. Não era a primeira
vez que discutíamos aquilo, mas era a primeira vez que eu sentia um medo
eminente. - Eu me separei da minha esposa por você, lembra? – rebati. Fora
cruel ao usar o argumento de que havia pedido o divórcio a Charlotte há seis
meses por não suportar mais fingir um amor que não existia.
Nick riu
sarcasticamente, levantando-se da cama.
- Você se
separou dela, Will... – gritou – E eu vou me casar! – berrou. Ninguém
escutaria.
Fiquei sem
reação. Jamais poderia imaginar que Nick estivera escondendo isso de mim.
- Vou me casar
– repetiu, baixando a voz. – Na verdade, me caso daqui a dois dias. Ela é filha de um grande empresário que tem
negócios com a minha família... Will, eu já tenho quase 35 anos! Meu pai não
admite que ainda não tenha me casado.
Como? De que
maneira? Ele não podia entender de que modo, no decorrer de menos de um mês,
tudo aquilo tinha acontecido.
- Então é
assim? Você é regido pelos desejos do seu pai? – perguntei, sem medir
respostas.
Nick suspirou
impaciente.
- E você pelo
que a sociedade vai pensar sobre nós? Tivemos tempo para resolver algo,
William, mas você foi relutante. Não há mais jeito! – respondeu, colocando a
calça, a camiseta... Calçando as botas a seguir.
Ainda
encontrava-me nu, mas isso não importava, pois o outro já saía do quarto.
- Espere! –
pedi.
Nick
rapidamente vestiu a jaqueta e colocou a capa de modo desajeitado sobre o
corpo. Ainda chovia lá fora, mas ele já não se importava mais.
O homem nu
aproximou seu corpo do outro rapaz. Will sentia seus olhos marejados de
lágrimas, deixando sua visão turva. Chegou ainda mais perto, e beijou com
cuidado os lábios de Nick, pois os seus ainda ardiam devido à fúria do próprio
Nick durante seu ato de amor.
- Você vai
voltar! – exclamei, tentando me convencer da própria afirmação. Abracei-o com
meu corpo nu, contudo, não fui envolvido por ele.
Nick balançou
a cabeça negativamente. Olhou fixamente para mim e saiu da casa, deixando para
trás somente o ronco da moto que partia em meio à estrada e um pacote com café
e pedaços de bolo em cima da mesa.
Sentei-me em
uma das cadeiras, passando a mão de modo bruto pelos olhos tentando apagar as
poucas lágrimas. Não sabia o que fazer. Naquele momento, tive a certeza de que
só me restara Anna. Olhei de relance para a vasilha de plástico com o bolo e, no
ímpeto da raiva, arremessei-a contra a parede. O recipiente barato rachou e
caiu emborcado no chão, fazendo com que eu percebesse o pedaço de papel que
estava colado porcamente no fundo do vasilhame.
Agachei-me e
tomei o bilhete entre as mãos. A caligrafia era de Nick e estava um pouco
manchada pela chuva:
Will,
Não foi fácil
contar para você, mas você sabe melhor que ninguém minha dificuldade em mentir.
Espero que não se importe, mas disse ao meu pai que você é um velho colega de
faculdade e, desse modo, ele me concedeu um convite que já foi enviado para seu
endereço. Além disso, minha futura esposa está de acordo que você seja um de
nossos padrinhos.
Espero que
isso te alegre juntamente com a minha felicidade em estar ao lado dela. Espero
também que goste do bolo que, carinhosamente, ela fez para você.
Atenciosamente,
Nick.
Fiquei
embasbacado ao terminar de ler tamanho conjunto de mentiras e ludíbrios em um
só bilhete. Eu estava condenado à infelicidade, a angústia. Entretanto, se fora
um pecaminoso com uma passagem só de ida para o inferno, teria na dor, todo o prazer
de levar Nick comigo.
Mas, por hora, só precisava de
mais um cigarro.