sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Companhia

A chuva encharcava meus dias, mas não era forte o suficiente para me impedir de chegar ao meu objetivo. Havia alcançado a velha casa há algumas horas e, simplesmente odiava ter que retirar o carro da garagem para fazer essa curtíssima viagem, contudo, a chuva não permitia que viesse caminhando como de costume. Esperei na varanda, alternando meu olhar entre grossos e frequentes pingos d’água, e uma espécie de tablado que já estava todo degastado em sua cor branca.
Acendi um cigarro, colocando-o de imediato a boca. Comecei aquele processo lento que regia os dias em que me encontrava com minha melhor companhia. Sendo assim, soltei as baforadas de fumaça entre os lábios, especado no batente da única porta da pequena casa enquanto aguardava o que havia esperado a semana toda.
Ele estava atrasado. Sempre nos encontrávamos às 9 da manhã, entretanto, já passava das 9h15 quando verifiquei o horário em meu desgastado relógio de pulso. Soltei mais um pouco da fumaça, apontando-a para cima, como se o fogo desafiasse a chuva lá fora.
Será que ele viera andando e se perdera na floresta enlameada? Aquela casa em meio a todo aquele verde sempre parecera um atraso no nosso relacionamento, mas não havia outro jeito. O que fazíamos era considerado pecado, uma ofensa a uma sociedade tão conservadora e imaculada como a que vivíamos.
Passei a mão pelos cabelos pretos, descendo até o rosto para coçar a barba que começara a nascer em meu queixo. Liberei mais um pouco de fumaça pelos lábios. O cigarro já estava quase no fim, e ele ainda nem chegara. Cocei os olhos com a mão esquerda, enquanto segurava o pequeno toco de cigarro com a outra. Estava um pouco sonolento. Estivera tão ansioso a semana toda por aquele encontro, que meu corpo se recusara a dormir. Desisti de ficar em pé encostado na porta, e dirigi-me para a única cadeira de balanço que ficava exposta na varanda. Estiquei o corpo e cruzei os pés enquanto terminava de fumar, mirando um lugar no teto em que se encontrava uma goteira da velha casa. Esperaria somente mais dez minutos e depois iria embora, com toda a frustração que a decepção me permitisse. Afinal, por mais que quisesse, não poderia ficar o dia todo ali. Tinha um compromisso com Anna.
A seguir, ouvi um estrondo vindo da estrada ao lado da floresta. Eu estava errado, pois o outro não viera caminhando pela floresta, e sim, havia tomado a velha motocicleta de seu pai.
Levantei-me rapidamente da cadeira e joguei o cigarro no tablado branco, apagando-o com a ponta as minhas botas marrons. Fazia parte do lento processo, pois Nick odiava meus hábitos de fumante.
Ele deixou a motocicleta “estacionada” em meio à chuva e correu ao meu encontro, tentando esconder um pacote que trouxera dentro da capa amarela de plástico. Subiu rapidamente pelas escadas e parou sobre o tablado, fixando seu olhar em mim por alguns segundos. A cor de seus olhos era impressionante! Quando nos encontramos pela primeira vez, há dois anos, em um dia insuportavelmente quente, eu acreditara que aquele castanho que pigmentava sua íris devia-se a claridade do sol que ia de encontro com seus olhos, entretanto, mesmo nos dias feios e nublados, eles resguardavam a mesma cor.
- Nick! – exclamei, tendo consciência de há dias só pensara naquele nome, sem jamais proferi-lo.
Ele não sorriu, muito menos respondeu ao meu cumprimento.
- Trouxe café – falou simplesmente, depositando o pacote em minhas mãos, para que pudesse retirar a capa amarela que o protegia da chuva.
Abri rapidamente a sacola de papel e encontrei uma garrafa térmica fechada e, alguns pedaços de bolo apertados em uma vasilha de plástico. Ambos estavam revestidos de sacolas do mesmo material para, provavelmente, não serem vítimas da chuva.
- Vamos entrar – convidei formalmente. Parecíamos dois estranhos. – Está ficando frio, lá dentro está melhor! – disse, tentando manter o tom agradável, mas era nítido que ele estava descontente com alguma coisa.
Abri a porta com a mão em que não segurava o pacote, dando espaço para que ele passasse. Em seguida também entrei na casa sentindo um calor agradável. Depositei o pacote sobre a mesa de centro na cozinha, e fitei Nick que estava de costas para mim.
- Aqui realmente está mais agradável – sibilou entre dentes, deixando a capa de chuva sobre o encosto da cadeira juntamente com a jaqueta preta que estava por baixo dela.
Sentei em uma das quatro cadeiras e cruzei as mãos sobre a mesa de modo impaciente. Pelo visto, ele não iria falar o que tanto parecia lhe incomodar.
- O que há de errado? – indaguei direto.
Ele deu de ombros. Puxou uma cadeira ao lado da minha e sentou-se sem movimentos bruscos.
- Nada... O que poderia estar errado? – rebateu, passando a mão pelos cabelos castanhos e deixando que gotículas de chuva molhassem a mesa.
Respirei profundamente como se o ar ali fosse rarefeito.
- Não sei. Não nos vemos há quase um mês e você chega aqui de um modo tão estranho que só posso deduzir que algo aconteceu, oras – respondi, apoiando o queixo sobre a mão esquerda sem deixar de olhar para Nick.
Ele correu a mão pelo rosto de forma bruta.
- Só me sinto um pouco cansado, mas está tudo bem! – esclareceu rispidamente. - Como vai Anna? – perguntou. Era mais uma das partes daquele processo, mas ainda sim, eu acreditava que ele se preocupava com ela.
Sorri.
- Anna está contente. Prometi leva-la ao parque hoje, mas, pelo visto, a chuva não irá dar trégua, então, vamos ao cinema juntos. – informei, pensando na pequena que deveria estar dormido ainda.
Ele emitiu um simples “hm” com os lábios em linha reta e levantou-se indo em direção ao único quarto da pequena casa.
Segui Nick. Ainda não havia acreditado que estava tudo bem, mas o que restava fazer? Sentia sua falta, e isso era maior do que qualquer problema.
Entrei no quarto e fechei a porta atrás de mim. Ele retirava a camiseta úmida, deixando a vista suas costas nuas e brancas. Caminhei lentamente atrás dele, sem encostar- me em sua pele, somente sentindo o cheiro de chuva e terra molhada que ele trazia consigo. Depositei um beijo tímido um pouco abaixo da sua nuca, e encostei minha bochecha em sua pele, absorvendo a textura gélida de encontro com meu corpo quente.
- Senti sua fala! – falei, sem rodeios. – Tem sido cada vez mais difícil nos encontrarmos. Tem sido cada vez mais insuportável! – esclareci, fechando os olhos ainda com a cabeça encostada em suas costas.
Ele virou seu corpo de frente para mim e segurou meu rosto entre suas mãos, depositando um beijo cálido nos meus lábios.
- As coisas ficarão mais fáceis. Pode acreditar em mim! – prometeu, tirando a minha camiseta. Senti um arrepio percorrer meu corpo quando seus dedos gelados tocaram meu tórax. Sentia frio mesmo em meio ao calor da casa, mas essa sensação não era desagradável. Agora eu tirava suas calças jeans, deixando-o apenas de cueca e meias brancas. Ele fez o mesmo comigo, deixando-me inteiramente nu e terminando de despir a si próprio.
Nick jogou meu corpo sobre os lençóis limpos que eu havia trocado pela manhã e dirigiu-se ao meu encontro. Caí deitado, porém, sentei-me. Ele pareceu não se importar, e veio por trás, depositando beijos no meu pescoço e, depois, massageando meus ombros.
Absorvi aquele momento com todas as forças que pude, pois a única certeza que teria nas próximas semanas, é que reviveria aquele encontro milhares de vezes como de hábito nos últimos anos.
Virei meu corpo e beijei seus lábios ternamente. Empurrei seu peito, deixando que suas costas relaxassem completamente sobre a cama. Passei a mão sobre seu tórax, beijando sua barriga. Ele sorriu com tal gesto, e eu retribui. Subi, mordendo o lóbulo de sua orelha. Percebi o quanto aquilo o deixava arrepiado e entrei em estado de êxtase. Vê-lo sentindo prazer, me deixava sem palavras.
Nick agarrou meus braços com força, deixando as marcas dos dedos e jogou-me de costas contra o colchão. Mordeu minha barriga, depositando beijos por todo o meu corpo e seguindo para os lábios, beijando-os com tal ferocidade e destreza que, possivelmente, haviam ficado intensamente vermelhos.
Desceu a mão pela minha intimidade, sem deixar de beijar cada canto do meu corpo. Percebeu que eu estava excitado a níveis extremos, e desceu vagarosamente pelo meu corpo, com uma expressão que beirava a malícia. Tomou o meu sexo entre as mãos, aliviando-me de uma maneira já tão conhecida. Sendo assim, mordi os lábios de maneira assustadora e sibilei o nome de Nick no momento em que chegara ao ápice do toque tão familiar.
Levantei-me rapidamente, sentindo uma onda de prazer e culpa tomar conta de minha mente. Não podia ficar adiando aquilo! Era tempo de mais sem ele. Agarrei-o pela cintura e penetrei-o sem ao menos pensar. Ambos estávamos de joelhos sobre os lençóis brancos. Movimentei meu corpo vagarosamente por trás do seu e, em seguida, acelerei o movimento, desejando não o meu ápice, mas o dele. Intensifiquei o movimento, pois meu corpo clamava por Nick. Não era uma questão de eu ser o homem e ele a mulher – ou ao contrário – ali não havia espaço para esse tipo de distinção tão comum a quem não vive esse tipo de amor. Tratava-se apenas de uma troca de prazer. Um gesto que era considerado tão pecaminoso por alguns homens, mas tão natural para o ser humano independentemente do gênero. Puxei os cabelos de Nick, pois sabia que isso aumentava o prazer do rapaz. Mordi seu pescoço de modo inescrupuloso. Ele que resolvesse a desculpa para o sinal de mordida que ficaria ali. Aumentei ainda mais o movimento de meu quadril, deixando que Nick sentisse uma explosão indescritível dentro de si mesmo. Um prazer sem limites!
Minhas mãos correram por suas coxas, deslizando os dedos vagarosamente por seu sexo. Ele ainda estava de costas para mim. Um tanto exausto, com o corpo cansado, mas, mesmo assim, vi o tremor percorrer seu corpo conforme eu o acariciava e beijava suas costas. Aquela fora meu “obrigado” ao carinho anterior que suas mãos dedicaram ao meu corpo.
Passei a mão por sua barriga, descendo-as para sentir que ele novamente estava ficando excitado com o meu toque. Ao ver que eu havia percebido, ele virou meu corpo contra o seu, passando a mão levemente por minhas nádegas, apertando-as com as unhas felinas. Retribuiu meu gesto e, sem piedade, também adentrou meu corpo. Ergui o rosto ao sentir o contato do seu corpo com o meu. Eu amava Nick! E não dizia isso em momentos de prazer, pois, mentalmente, sempre estava repetindo isso para mim. Como um ciclo vicioso, como parte do nosso processo casual no interior daquela casa. Ele acelerou o movimento do seu quadril, conforme passava a mão sobre o meu peito e beijava minhas costas, meus ombros, minha nuca... Senti o prazer se apossar de mim, como se a chuva se estingue-se e restasse somente o sol infernal do dia fatídico em que havíamos nos conhecido.
Caí sobre os lençóis brancos com Nick deitado ao meu lado. Fechei os olhos ainda saboreando o ápice do prazer. Sorrindo feito bobo para mim mesmo! Sentia uma mixórdia de emoções, mas em meio a essa confusão, tinha a certeza de queria uma vida ao lado dele. Não queria mais o desconforto daquele lugar pecaminosamente secreto. Queria amá-lo quando ambos desejássemos e não por curtos períodos do mês. Mas eram apenas desejos impossíveis e abstratos.
Deitei a cabeça sobre a mão esquerda e olhei para Nick que fitava o teto de modo sério e concentrado. Deslizei minha mão sobre sua barriga, fazendo movimentos leves.
- Você está sério – comentei. Ainda acreditava que algo estava errado com ele, mas tínhamos tão pouco tempo que iniciar uma briga não adiantaria em nada.
Ele desviou o olhar do teto e direcionou-o a mim.
- Acabou.
Franzi o cenho. Aquela palavra era uma espécie de código indecifrável? Porque eu não podia acreditar que ele estava querendo dizer o que realmente aquilo significava.
Sentei-me na cama.
- O...O que você quer dizer? – indaguei incrédulo.
Nick balançou a cabeça afirmativamente.
- Isso mesmo que você está pensando. Acabou, Will. Nós...Acabou! Não suporto mais isso. Odeio segredos e você sabe que não sei mentir. Não aguento mais ter que esconder isso e quer saber de uma coisa? Você...Você é quem não ter coragem de dizer quem realmente é.
Suspirei passando a mão no rosto de modo impaciente. Puxei meus cabelos com raiva de todo aquele drama.
- Nick, você sabe que eu tenho uma filha. Anna precisa de mim! – repeti. Não era a primeira vez que discutíamos aquilo, mas era a primeira vez que eu sentia um medo eminente. - Eu me separei da minha esposa por você, lembra? – rebati. Fora cruel ao usar o argumento de que havia pedido o divórcio a Charlotte há seis meses por não suportar mais fingir um amor que não existia.
Nick riu sarcasticamente, levantando-se da cama.
- Você se separou dela, Will... – gritou – E eu vou me casar! – berrou. Ninguém escutaria.
Fiquei sem reação. Jamais poderia imaginar que Nick estivera escondendo isso de mim.
- Vou me casar – repetiu, baixando a voz. – Na verdade, me caso daqui a dois dias.  Ela é filha de um grande empresário que tem negócios com a minha família... Will, eu já tenho quase 35 anos! Meu pai não admite que ainda não tenha me casado.
Como? De que maneira? Ele não podia entender de que modo, no decorrer de menos de um mês, tudo aquilo tinha acontecido.
- Então é assim? Você é regido pelos desejos do seu pai? – perguntei, sem medir respostas.
Nick suspirou impaciente.
- E você pelo que a sociedade vai pensar sobre nós? Tivemos tempo para resolver algo, William, mas você foi relutante. Não há mais jeito! – respondeu, colocando a calça, a camiseta... Calçando as botas a seguir.
Ainda encontrava-me nu, mas isso não importava, pois o outro já saía do quarto.
- Espere! – pedi.
Nick rapidamente vestiu a jaqueta e colocou a capa de modo desajeitado sobre o corpo. Ainda chovia lá fora, mas ele já não se importava mais.
O homem nu aproximou seu corpo do outro rapaz. Will sentia seus olhos marejados de lágrimas, deixando sua visão turva. Chegou ainda mais perto, e beijou com cuidado os lábios de Nick, pois os seus ainda ardiam devido à fúria do próprio Nick durante seu ato de amor.
- Você vai voltar! – exclamei, tentando me convencer da própria afirmação. Abracei-o com meu corpo nu, contudo, não fui envolvido por ele.
Nick balançou a cabeça negativamente. Olhou fixamente para mim e saiu da casa, deixando para trás somente o ronco da moto que partia em meio à estrada e um pacote com café e pedaços de bolo em cima da mesa.
Sentei-me em uma das cadeiras, passando a mão de modo bruto pelos olhos tentando apagar as poucas lágrimas. Não sabia o que fazer. Naquele momento, tive a certeza de que só me restara Anna. Olhei de relance para a vasilha de plástico com o bolo e, no ímpeto da raiva, arremessei-a contra a parede. O recipiente barato rachou e caiu emborcado no chão, fazendo com que eu percebesse o pedaço de papel que estava colado porcamente no fundo do vasilhame.
Agachei-me e tomei o bilhete entre as mãos. A caligrafia era de Nick e estava um pouco manchada pela chuva:


Will,
Não foi fácil contar para você, mas você sabe melhor que ninguém minha dificuldade em mentir. Espero que não se importe, mas disse ao meu pai que você é um velho colega de faculdade e, desse modo, ele me concedeu um convite que já foi enviado para seu endereço. Além disso, minha futura esposa está de acordo que você seja um de nossos padrinhos.
Espero que isso te alegre juntamente com a minha felicidade em estar ao lado dela. Espero também que goste do bolo que, carinhosamente, ela fez para você.

Atenciosamente,
Nick.     


Fiquei embasbacado ao terminar de ler tamanho conjunto de mentiras e ludíbrios em um só bilhete. Eu estava condenado à infelicidade, a angústia. Entretanto, se fora um pecaminoso com uma passagem só de ida para o inferno, teria na dor, todo o prazer de levar Nick comigo.
                Mas, por hora, só precisava de mais um cigarro.




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